sexta-feira, 2 de setembro de 2016

O dia em que Apolo se apaixonou por Poseidon

O dia em que Apolo se apaixonou por Poseidon

Parecia um dia normal na antiga Grécia, os Deuses do Monte Olimpo mantinham a paz na terra com seus pensamentos, enquanto os humanos desenvolviam seus afazeres com dedicação. Porém uma inquietação parecia tomar conta dos pensamentos de Apolo, que havia se recuperado há pouco tempo o trágico final de relacionamento com o príncipe Jacinto da Macedônia e passava a maior parte do tempo se divertindo com seus amantes ninfos. Apolo parecia estar cansado daquela entrega carnal e começava a sentir necessidade de se apaixonar novamente. Inquieto, resolveu caminhar pelas praias dos mares Nórdicos da Europa, mais especificamente em Asgard. A companhia do mar parecia preencher o vazio deixado pelo último relacionamento, a brisa parecia amenizar a dor que sentia materializada pelas lágrimas salgadas que escorriam pelo seu rosto chegando até o mar calmo.
Apesar da pequena trégua, a dor dessa vez parecia ser persistente e quanto mais pensava na solidão, mais lagrimas caiam do seu rosto em direção ao mar e o liquido sagrado que escorria do seu rosto parecia agitar o mar. Era como se a tristeza presente nas lagrimas alterasse a vibração das moléculas da água do mar e com isso enormes ondas se formavam. Toda aquela agitação chamou a atenção de Poseidon que descansava na ilha de Atlântida e estranhou o mar daquela região ficar agitado nessa época do ano. A bordo de sua nau resolveu ir até o local ver o que causava tanta agitação a um mar tão calmo.
Chegando no local Poseidon se deparou com Apolo deitado na beira do mar, com as pontas dos pés sendo aos poucos engolidas pelas ondas e com lágrimas ainda a cair do rosto. Apolo estava tão perdido no vazio da sua solidão que nem chegou a sentir a presença de um Deus e isso chamou ainda mais a atenção de Poseidon. Como um Deus poderia sentir uma tristeza tão grande, sendo ele um dos filhos mais respeitados, admirados e adorados de Zeus? O deus dos mares foi se aproximando aos poucos e sem que Apolo notasse sentou ao seu lado na areia e começou a acariciar seus belos cachos. Apolo estava tão paralisado pela tristeza que só percebeu a caricia quando Poseidon resolveu falar:
- Diga meu sobrinho, o que pode ser tão ruim assim a ponto de deixar um dos deuses mais poderosos do Olimpo tão triste?
- Não é nada não, apenas estou apreciando a solidão do mar e esperando que ela preencha um coração vazio – disse Apolo sem conseguir esconder a vergonha no rosto e enxugando as poucas lágrimas que ainda estavam no rosto.
- Você sabe que pode confiar em mim, faria de tudo para que essa tristeza saísse do seu olhar, não gosto de ver um Deus sofrendo as dores de humanos – nesse momento o Deus dos mares se aproximou ainda mais de seu sobrinho, lhe deu um abraço e completou – Não precisa se sentir envergonhado, diga-me os motivos, quem sabe assim eles não sumam dos seus pensamentos.
Apolo se sentiu mais à vontade e começou a contar todas as intempéries do seu último relacionamento. Na medida em que extravasava aquela dor em palavras para alguém tão próximo, a tristeza parecia se dissipar e um alívio passava a tomar conta de seu peito. Poseidon escutava tudo espantado e ao mesmo tempo admirado, como um Deus pode sentir um amor tão forte por um humano? Ainda que belo e príncipe de uma região tão rica como a Macedônia, Jacinto era apenas mais um humano e não merecia lagrimas tão sinceras de um Deus como Apolo. A humildade e sinceridade de Apolo fez Poseidon sentir algo estranho pelo sobrinho, um misto de admiração e desejo de se sentir amado com a mesma intensidade que Apolo parecia amar aquele humano.
Os dois conversaram durante horas e companhia do tio fez a tristeza da solidão abandonar o peito de Apolo e no final eles se despediram com um demorado abraço e saíram dali compartilhando um sincero sorriso no rosto. Mas não demorou muito para uma inquietação tomar conta do pensamento de Apolo novamente, porém dessa vez não era por saudades do humano, o poderoso Deus sentia agora uma estranha atração e admiração pelo tio Poseidon. Aquilo o deixava ainda mais agitado, poderia aquele encontro ter despertado um sentimento que não seja fraternal por um parente tão próximo? Apolo tentou de todas as maneiras fugir daquele sentimento, mas nem mesmo os ninfos conseguiram deter aquela vontade e ele passou a visitar o tio com uma frequência cada vez mais intensa.
Poseidon gostava da companhia do sobrinho e também sentia algo especial por ele e isso o deixaria cada vez mais preocupado. Não pelo fato dele sentir uma atração tão forte por alguém do mesmo sexo, isso era normal na Grécia antiga e ele já havia se envolvido com outros humanos. Mas o que preocupava o Deus dos mares era a intensidade daquele sentimento, afinal das últimas vezes que ele havia se envolvido com homens era apenas atração carnal e nunca antes havia se apaixonado por um Deus. Fora que Apolo era seu sobrinho, isso poderia causar grande impacto no Olimpo e ainda provocar a fúria de Zeus.
Porém os encontros aconteciam cada vez com mais intensidade e o sentimento entre o tio e o sobrinho ficava a cada dia mais forte. O fato deles passarem boa parte do tempo juntos passou a chamar a atenção dos deuses do Olimpo e até mesmo os cidadãos gregos. Mas mesmo as conversas das más línguas não pareciam abalar a sintonia do sentimento que brotava entre os dois deuses.
O sentimento era sincero, não havia como negar, até mesmo um cego poderia notar a sincronia expostas pelos gestos dos dois quando estavam juntos, era como se a presença dos dois espalhasse harmonia e alegria pelo Olimpo. Porém, apesar desse forte sentimento, os dois ainda não tinham consumado esse amor, nem mesmo com um beijo e isso começava a angustiar Apolo. Ele não sabia, mas Poseidon jamais teria coragem de se entregar a um amor como esse, afinal ele era um Deus conservador e não entendia os sentimentos libertinos que regiam a vida de Apolo.
Enquanto nada acontecia Apolo seguia oscilando entre os momentos alegres passados ao lado de Poseidon e a angústia de esperar aquilo ser de fato consumado. A vida pode parecer um pesadelo diante da ansiedade de esperar por algo que temos certeza que pode acontecer e nunca acontece. E era assim todo encontro dos dois, passavam horas se divertindo e até o fazer nada parecia ser melhor quando estavam juntos. Mas assim que se despediam uma angústia passava a dominar os pensamentos de Apolo.
Essa angústia passou a atrapalhar os afazeres de Apolo e aquilo que parecia ser um sentimento bom passou a perturbar sua paz. Poseidon por sua vez se sentia confortável com a situação, pois sentia que havia conquistado a admiração do sobrinho e não sentia tanta necessidade de dar um passo à frente nesse relacionamento. O sentimento foi tomando conta de Apolo até que um dia ele não resistiu e resolveu se abrir ao tio em um desses encontros a beira do mar.
-Poseidon tem algo que preciso te falar, me faz muito bem as horas que passo ao seu lado e a nossa amizade tirou um grande vazio do meu peito- confessou o sobrinho meio sem jeito- mas algo estranho tem acontecido, sempre depois que vou embora me bate uma angústia. É como se algo muito bom fosse acontecer a qualquer momento e esse algo nunca acontece.
-Querido Apolo, eu não sei muito o que te dizer – disse o tio ainda mais sem jeito- carrego comigo um sentimento muito especial por ti e desejo muito sua felicidade.
-Não precisa me dizer nada, apenas te disse isso pois me sufocava e precisava ser sincero. Eu também te quero muito feliz - nessa hora Apolo hesitou um pouco, queria muito dizer que se Poseidon se permitisse poderiam viver uma das histórias mais lindas de amor, mas teve medo de assustar e se distanciar do tio- e sinto que você deseja o meu bem.
-Espero que compreenda que apesar de ter esse sentimento tão sincero por ti, não seria capaz de enfrentar tudo e todos para levar isso a frente. Prefiro ser somente um amigo e não alimentar falsas esperanças, compreendo e admiro sua coragem e liberdade, mas tenho uma maneira diferente de ver a vida.
Os dois deram um abraço demorado, apesar de toda sinceridade e intensidade do abraço, havia nele um certo ar de despedida. Por Poseidon eles permaneceriam com aquela amizade, para ele já bastava a companhia do sobrinho, mas Apolo por mais que tentasse não conseguia controlar aquele sentimento. Diante da angustia preferiu se afastar aos poucos, precisava esquecer o tio para enfim se ver livre e poder amar novamente.
Não foi tarefa fácil para Apolo se livrar da dor de mais uma separação amorosa, ele não conseguia entender os motivos de não encontrar seu grande amor, tinha um sentimento muito profundo de companheirismo que precisava ser alimentado por alguém. A solidão parecia não bastar, ele queria dividir momentos de alegria, cuidar de alguém por quem tivesse um sentimento especial e tinha a necessidade de ser importante na vida de alguém. Ele sempre se perguntava, como poderia um Deus sentir um vazio tão grande no peito? Ele era um Deus, deveria se bastar.
Apolo resolveu voltar onde tudo aquilo havia começado, passou a tarde na praia olhando o mar, com a cabeça cheia de lembranças de amores passados e a angústia por respostas. Começou um choro repentino, que foi se intensificando até o anoitecer, aos poucos as lágrimas iam caindo e se perdiam na imensidão do mar. A noite chegou e Apolo dormiu ali mesmo, com lágrimas ainda escorrendo dos olhos e um vazio no peito. Durante a noite teve sonhos intensos com lembranças das coisas boas que havia feito para os outros na ânsia de encontrar seu grande amor.
Acordou no outro dia com o nascer do sol, sentiu a brisa leve tocar o seu rosto, o calor do sol aquecer sua pele e respirou um ar que parecia tão puro que preencheu completamente seus pulmões fazendo diminuir sua densidade e ele se sentir mais leve. As lágrimas pareciam ter ajudado a enterrar seus castelos junto com a areia da praia. Ele acordara apenas com as lembranças boas dos amores perdidos e um sincero sentimento de plenitude. Era como se da noite para o dia ele estivesse curado de toda dor e passasse a compreender que apenas o fato de existir já lhe bastava.
A partir daquele dia Apolo passou a ver a vida de uma maneira diferente, havia leveza e harmonia no seu caminhar, o vazio do seu peito era preenchido pelas pequenas coisas que gostava de fazer, como caminhar pela praia, comer uma fruta saborosa direto do pé, passar horas se divertindo com os amigos e cuidando daqueles que amava. Aquele amanhecer na praia lhe fez se sentir completo por fazer parte do todo. Ele chegara a compreensão que nunca esteve sozinho e o mundo era sua companhia para toda vida.
Apolo continuou espelhando sua luz pela eternidade, viveu grandes amores depois daquele, sempre sem se esquecer que amores vem e vão e o que permanece são os momentos compartilhados com alegria. Você nunca irá encontrar um único amor na sua vida, mas sim pessoas com quem vai dividir grandes momentos e tirar importantes lições. Afinal Apelo havia aprendido a maior de todas as lições: viemos para o mundo sozinhos e partiremos sozinhos, mas temos olhos para aprender a ver o próximo, ouvidos para escutar com afeto, olfato que nos permite perceber o aroma que exala das nossas atitudes, tato para tocar o coração com as mãos e paladar para aprender a saborear cada momento. Aquele Deus havia aprendido a lição mais divina, antes de procurar no outro a divindade que há em cada ser é preciso saber reconhecer e amar o lado divino que há dentro de sua própria vida.

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